Por Higor Maffei Bellini
A recente notificação enviada por Memphis Depay ao Corinthians, em que o atleta exige o pagamento de valores relacionados ao contrato de trabalho e ao contrato de licenciamento de imagem, reacende um debate jurídico importante: até onde vai o direito do clube de usar a imagem do atleta, especialmente em caso de inadimplemento contratual?
Existem outros, mas o que me interessa é apenas este, pois, como eu trabalho muito com direito de imagem dos atletas, é algo que gosto de pensar sobre e de discutir o conceito de até que momento o clube, pode continuar a se utilizar da imagem, após o final do contrato de licenciamento da imagem. Ou ainda do final do contrato de trabalho.
No documento, Depay não apenas cobra o pagamento de aproximadamente R$ 6,1 milhões — entre prêmios e valores de imagem —, como também requer que o Corinthians cesse o uso de sua imagem, sob pena de configurar violação contratual.
Mas será que isso é possível, já que esse uso também é permitido e autorizado pelo contrato de licenciamento de imagem, posto que o clube, como empregador, pode usar essa imagem, com base apenas no contrato de trabalho, posto que muitas vezes, o uso que se dá da imagem, já seria possível em razão do "simples" contrato de trabalho.
Vale a esse respeito ver uma posição do Tribunal Superior do Trabalho:
"RECURSO DE REVISTA. DIREITO DE IMAGEM. NATUREZA JURÍDICA. ATLETA PROFISSIONAL. FRAUDE. Este Tribunal tem adotado o entendimento de que a verba paga ao atleta profissional a título de cessão do uso do direito de imagem possui natureza remuneratória, porque decorre diretamente do desempenho de suas atividades na entidade desportiva. Precedentes. Recurso de revista conhecido e não provido" (RR-290-37.2012.5.09.0028, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 09/08/2013).
Assim, esse pedido apresentado pelo atleta, levanta uma questão central: o que efetivamente constitui “uso de imagem”? E mais: até onde vai o direito do clube de se valer da imagem de um atleta com quem firmou contrato de trabalho e, paralelamente, contrato de cessão de imagem?
É preciso separar com clareza as situações:
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Entrevistas, coletivas e aparições institucionais em treinos e jogos não constituem, por si sós, uso comercial da imagem. Esses atos decorrem da obrigação contratual de colaboração do empregado com o empregador, prevista nos contratos de trabalho, sobretudo no meio desportivo. Nesses contextos, o atleta não está sendo explorado como “marca”, mas apenas cumprindo funções típicas do ambiente esportivo.
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Quando o atleta aparece em grupo com outros jogadores (mais de três, por exemplo), tampouco se pode falar, isoladamente, em exploração da sua imagem individual. Nesse caso, a imagem é do coletivo, do time, da instituição — e não de um único indivíduo.
Por outro lado, o uso comercial da imagem individual do atleta, como em campanhas publicitárias, posts exclusivos nas redes sociais do clube, venda de produtos licenciados, ou ações de marketing personalizadas, depende do contrato de cessão de imagem, e pode ser imediatamente questionado em caso de inadimplemento. Mas não suspenso, já que se trata de uma ação publicitária, que teve o seu início em um contrato de licenciamento de imagem válido.
Outro debate interessante que a notificação de Depay traz é sobre a questão da temporalidade da cessão de imagem, que pode trazer então a necessidade de ser renovada a cada término, pois se existe a limitação temporal, o uso depois de encerrado o prazo, gera o dever de quem usar de indenizar moral e materialmente o atleta.
Assim, em princípio, a resposta é a padrão do direito: depende do que foi pactuado no contrato de licenciamento.
Contudo, há uma linha que permite o uso da imagem em materiais históricos ou institucionais, voltados à preservação da memória do clube — como vídeos comemorativos, museus ou retrospectivas.
Nesses casos, o uso é informativo e não diretamente comercial, podendo ser admitido, desde que não se desvirtue em uma nova forma de exploração econômica da imagem do ex-jogador. Como é o caso de venda de figurinhas, colocar a sua iamgem em camisetas, ou em decoração de salas de trofeu e conquistas.
Portanto, a notificação de Depay não apenas cobra valores vencidos, mas também reacende uma discussão essencial para o futebol brasileiro: a relação entre a imagem do atleta e a responsabilidade contratual do clube em usá-la com responsabilidade, nos limites do que foi pactuado e da função social do desporto.