a responsabilidade trabalhista dos clubes
POR HIGOR MAFFEI BELLINI
Olá a todos, espero que estejam bem de saúde, nestes tempos de Pandeia nunca é de mais desejar saúde às pessoas.
Este é o segundo texto sobre o acidente do trabalho acontecido no desporto, e vamos tratar da responsabilidade do clube, enquanto empregador, pelo atleta que venha a se contundir seja treinando ou jogando defendo as cores daquela agremiação, com foco na legislação trabalhista e acidentaria, vigente no Brasil no ano de 2020.
Tenho de agradecer aos amigos, que jogaram ou que estão jogando no exterior, na Europa de modo preponderante na Alemanha, que me ajudaram com exemplos da realidade do atleta contundido, em especial naquele país.
Mas qual é a obrigação do clube em relação ao atleta que sofreu uma lesão, desenvolvendo as suas actividade no Brasil?
De um modo bem simples e reduzido: fornecer todos e os melhores meios tratamento para aquele atleta, seja por meio dos recursos internos do departamento médico daquele clube, seja encaminhando o atleta para tratamento externo; manter o contrato de trabalho do atleta activo, até a completa recuperação do atleta, assim entendido estar em plenas condições físicas e mentais de voltar a jogar, accionar o seguro acidentário obrigatório segundo a lei Pelé ou então pagar o valor correspondente ao seguro se não o contratou, e por último, mas, não menos importante garantir a estabilidade acidentaria de doze meses após o retorno do atleta.
O clube enquanto empregador do atleta que está contundido, tem o dever de fazer todos os esforços possíveis, dentro do seu alcance para tratar a lesão da melhor forma possível, mesmo que isto signifique contrata profissionais especificamente para tratar aquela lesão, ou efectuar o reembolso das despesas do atleta, se este conseguir contratar um outro profissional mais qualificado do que aquele ofertado pelo clube.
Esta contratação de um profissional, pelo atleta, deve ser conversada e ajustada com o clube antes de ser efectivada, até pelo fato do clube, ser o responsável pelo pagamento daquele profissional e o responsável caso exista uma complicação durante este tratamento. Onde o atleta fica ciente que a responsabilidade pela contratação daquele profissional é exclusivamente sua.
O que o clube não pode fazer é se recusar a pagar pelo tratamento, apontado como o mais adequado para aquele atleta, pelo profissional seja este cuidando da recuperação daquele atleta, seja esta indicação vinda do médico do clube ou por um terceiro indicado pelo atleta com a aprovação do clube.
O que não é possível é a exigência, por parte do atleta, do clube arcar com tratamentos de custos elevados E sem eficácia comprovada, ou ainda por tratamentos experimentais. Tirando estas duas excesso o clube deve arcar com todos os custos necessários para a recuperação.
Há a necessidade de se ressaltado que se o clube, por algum motivo venha a assumir o tratamento de uma lesão acontecida em outra agremiação ou até mesmo no período em que a atleta estava servindo a selecção do seu país, já que existem atletas estrangeiras actuando no Brasil, o clube empregador, passa a ser o responsável pelo custeio do tratamento, não podendo exigir que a atleta efectue o pagamento de parte deste tratamento, mesmo que atleta disponha de plano de saúde próprio.
Além dos cuidados com a saúde do atleta o clube deve cuidar das finanças deste atleta contundido.
O primeiro cuidado é o de manter activos os contratos dos atletas lesionados e se for o caso fazer a renovação deste contrato, caso venha a terminar ainda durante o tratamento, pelo tempo que se fizer necessário para que o atleta consiga se recuperar, sabendo que continuará a ter um emprego, para voltar, quando se recuperar.
Para garantir a integridade financeira dos atletas de forma geral, seja por danos irreparáveis dos quais impossibilitariam de exercer sua profissão ou danos que os tiraram por determinados períodos de tempo, as agremiações são responsáveis por garantir um seguro para que esses atletas possam ser indenizados caso ocorra algum tipo de dano se ele reparável ou não.
Por isso estas entidades de práticas desportivas obrigadas a contratar seguro de vida e de acidentes pessoais (Lei 9.615/98 artigo 45), vinculado à actividade desportiva, para os atletas profissionais, com o intuito de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos com a prática do seu labor.
Art. 45. As entidades de prática desportiva são obrigadas a contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
- 1º A importância segurada deve garantir ao atleta profissional, ou ao beneficiário por ele indicado no contrato de seguro, o direito a indenização mínima correspondente ao valor anual da remuneração pactuada. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).
- 2º A entidade de prática desportiva é responsável pelas despesas médico-hospitalares e de medicamentos necessários ao restabelecimento do atleta enquanto a seguradora não fizer o pagamento da indenização a que se refere o § 1o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).
O ordenamento jurídico não deixa margem para dúvidas. O empregador de atleta, obrigatoriamente, deverá incluí-lo em seguro contra acidentes do trabalho. Era dever do reclamado contratar o seguro, nos termos do art. 45 da Lei 9.615/1998 e do próprio Contrato Especial de Trabalho Desportivo, responsabilidade da qual não poderia se isentar
E por fim vamos tratar da estabilidade de doze meses após o retorno do atleta as actividades, que no mundo do desporto, é a mais importante porque o atleta que sofre um lesão grave, pode ter problemas, para se recolocar no mercado, por desconfiança dos outros clubes, sendo para os atletas esta estabilidade ainda mais importante.
Conforme a Lei a Lei 8.213/91, no artigo 118 menciona que o trabalhador, qualquer trabalhador e a jogadora de futebol é uma trabalhadora, que sofrer qualquer tipo de acidente no decorrer do seu labor, possui de estabilidade pelo prazo mínimo de 12 meses, sendo garantida a continuidade do contrato de trabalho, independente da percepção de auxílio-acidente.
Além disso, a Súmula 378 do TST é notoriamente assegura a Constitucionalidade do artigo 118, e ainda ressalta a obrigação da garantia também para os empregados submetidos a contrato de trabalho por prazo indeterminado.
O Tribunal Superior do Trabalho por meio desta súmula garante a estabilidade, mesmo para aqueles empregados, como é o caso dos atletas, contratados por prazo determinado, como se observa abaixo:
- CONTRATO DE EXPERIÊNCIA - SÚMULA 378, III, DO TST - VIOLAÇÃO DO ART. 118 DA LEI 8.213/91. 1. O entendimento desta Corte, consubstanciado na Súmula 378, III, é no sentido de que o empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no art. 118 da Lei 8.213/91. 2. No caso, o Reclamante foi admitido por meio de contrato de experiência, sofreu acidente de trabalho e teve o contrato rescindido antecipadamente, dentro do período estabilitário. Todavia, o Regional concluiu que o Empregado não fazia jus à estabilidade provisória decorrente do acidente de trabalho por se tratar de contrato por prazo determinado. 3. Nesse contexto, merece reforma a decisão recorrida, a fim de adequar-se à jurisprudência desta Corte Superior. Recurso de revista obreiro provido. (PROCESSO Nº TST-RR-122800- 26.2007.5.15.0007 - Min. Relator IVES GANDRA MARTINS FILHO) ESTABILIDADE PROVISÓRIA. PROFISSIONAL. REINTEGRAÇÃO. CONVERSÃO EM INDENIZAÇÃO. Constatado, mesmo após a despedida do empregado, o nexo de causalidade entre a doença desenvolvida e o trabalho por ele executado na empresa, fica-lhe assegurado o direito à estabilidade provisória de que trata o artigo 118 da Lei nº 8.213/91. (TST, Súmula 378, II). E, havendo incompatibilidade entre as partes, decorrente do ajuizamento de ação trabalhista, a conversão da reintegração em indenização respectiva se coaduna com a jurisprudência consolidada na Súmula nº 396, I, do TST. (TRT/SP - 00174005220085020006 - RO - Ac. 8ªT 20120846823 - Rel. SILVIA ALMEIDA PRADO - DOE 07/08/2012)
Sobre este tema vale, ainda é valido fazer a transcrição parcial da sentença do processo de numero: ATOrd 0000328-86.2020.5.10.0013, proveniente da 13ª Vara do Trabalho de Brasília - DF, de lavra do juiz do trabalho MARCOS ULHOA DANI, que demonstra muito bem a responsabilidade do clube em relação ao pagamento dos salários dos atletas em recuperação, após o acidente, e das consequência que sobre o clube ao não o fazer acarretando a ocorrência de danos morais:
...Outra é a situação, entretanto, em relação à ausência da parte reclamada no auxílio à reclamante no tratamento de sua lesão.
Como visto, em capítulo pregresso ao qual me remeto, a parte reclamante sofreu acidente de trabalho típico, consistente em uma lesão no joelho. A parte reclamada não afastou a obreira pelo INSS, uma vez que, por sua culpa, não registrou um contrato de trabalho desportivo claro e não fez os recolhimentos previdenciários devidos. Em que pese o contrato dever ter sido suspenso, isto não ocorreu. Houve a terminação do mesmo em 31/12/18. Sem o devido registro e recolhimentos previdenciários, o que se deu pela negligência da parte reclamada, a autora, sem rendimentos, ficou à mercê de sua própria sorte. Teve que retornar ao estado de São Paulo, onde tem residência, e se submeter a cirurgia e tratamentos em rede pública, sem qualquer recebimento de qualquer tipo de renda no período, ficando, ainda, sem poder praticar sua profissão desportiva. A reclamada nada fez para auxiliar a obreira, o que foi confessado pelo desconhecimento do preposto (art. 385, §1o do CPC) e até por confissão real:...
Fica comprovado que a parte reclamada, pela confissão do preposto, que a reclamada em nada auxiliou a
obreira após 31/12/18, mesmo sabendo que sua incapacidade temporária para o exercício da profissão de atleta tinha sido em decorrência de acidente de trabalho típico. A parte reclamada, inclusive, não contratou seguro de vida e acidentes pessoais para a jogadora, ônus que lhe competia, nos termos do art. 45 da Lei Pelé. Não forneceu plano de saúde e também não ofereceu atendimento médico, mesmo quando o contrato estava ativo, pois a parte ré não tem departamento médico.
Some-se a isto que, além das culpas constatadas acima, destaca-se que a atividade de jogadora de futebol é uma atividade de risco, haja vista a grande ocorrência de lesões e contusões, o que atrai, da mesma forma, a responsabilidade objetiva da parte ré, nos termos do artigo 927, parágrafo único, do CC. Neste sentido, o TST...
Nos termos dos artigos 186 e 927 do CC, surge o dever de indenizar quando, por ação ou omissão voluntária, dolosa ou culposa, comete-se ato ilícito, violando direito e causando dano, material ou moral, a outrem. Não é difícil imaginar a sensação de angústia e dor íntima da parte reclamante ao ter sua imagem e honra, na feição objetiva (perante a sociedade) e subjetiva (internamente), atingidas pelo fato de ter sido deixada à própria sorte, sem renda de qualquer natureza ou mesmo auxílio do reclamado, sendo que a origem de tal situação de penúria ocorreu pela ausência de registros e recolhimentos previdenciários por parte do réu, além do fato da reclamante ter se lesionado enquanto trabalhava para o réu, sem ter tido qualquer contratação de seguros obrigatórios em lei e sem a prestação de atendimentos médicos, obrigações que tinha a parte ré (arts. 34, II e III e 45 da Lei Pelé). Tudo isto causou dificuldades extremas à reclamante, impedindo-a, inclusive de praticar sua profissão desportiva no período de recuperação e ter acesso a benefícios previdenciários que seriam de seu direito, caso os registros devidos tivessem sido feitos a tempo e modo. A existência do dano moral no caso presente é percebido in re ipsa, ou seja, por simples presunção do que ordinariamente ocorreria ao homem médio na mesma situação.
Presentes os requisitos para indenização, quais sejam, culpa da parte reclamada e de seus representantes, pelas obrigações não cumpridas e constrangimentos criados, o nexo causal e dano íntimo à parte reclamante, a autora faz jus a indenização. Assim, considerada a gravidade dos atos praticados pela parte reclamada, o nexo causal e o tamanho do dano moral (art. 927 do CC) experimentado pela parte reclamante, bem como a capacidade econômica das partes, o tempo de exposição, o não enriquecimento sem causa, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, defiro indenização por dano moral que ora arbitro em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor que considero dentro dos parâmetros reparatórios do agravo sofrido, nos termos dos artigos 5º, V e X da CRFB-88 e 944 do CC.Destaco que este juízo entende inconstitucional os critérios de fixação de danos do §1o, do art. 223-G, da CLT, pois aqueles parâmetros se chocam com os artigos constitucionais citados, na medida em que não é possível mensurar a dor por critérios valorativos calcados no salário médio da vítima. O §1o, do art. 223-G da CLT, portanto, é declarado inconstitucional, em controle difuso de constitucionalidade, por afronta à isonomia constitucional, uma vez que o art. 5o, V e X, da CRFB-88, garante indenização por dano moral “proporcional ao agravo” sofrido, sendo que a dor moral não podem ser mensurada pelo salário do ofendido e sim pela extensão dos eventuais danos. A nova interpretação do legislador ordinário, com a devida vênia, poderia levar, teratologicamente, a pensar, por exemplo, que a dor moral de um auxiliar de limpeza (que recebe R$1.500,00 mensais) que perde o braço em um acidente de trabalho é menor do que a dor moral de um chefe de seção (que recebe R$6.000,00 mensais) que também perde o braço em um mesmo acidente de trabalho, pelo simples fato daquele primeiro trabalhador ganhar menos do que o último. O parágrafo legal e seus incisos (§1o, e incisos, do art. 223-G da CLT) é, portanto, inconstitucional, uma vez que afronta a isonomia, pois atrela as indenizações às faixas salariais e não à extensão dos danos (agravos sofridos) em si, sendo este o critério constitucional estabelecido e que foi afrontado pelo legislador ordinário.
Antes de fechar o texto devemos lembrar que em outros países como é o caso da Alemanha onde quando o atleta se machuca e fica mais de 6 semanas afastado o seguro é acionado e paga 70% (setenta por cento) do salário geralmente. Quem faz o pagamento deste seguro é o clube. E o restante do salário não é pago pelo clube, então geralmente o atleta não conta mais com a mesma remuneração que recebia antes de se machucar, necessitando ajustar as suas despesas, a sua nova remuneração, enquanto estiver recebendo o valor do seguro.
Não existe sistema melhor ou pior de cuidar do atleta contundido, apenas existem sistemas diferentes de verificar as necessidades da pessoa que sofre o acidente e de como atender a estas dificuldades.
Em nosso último texto que vou escrever em Janeiro de 2021 vou tratar da relação entre o atleta contundido, com o INSS Instituto Nacional de Seguridade Social, no Brasil