A minha visão sobre a relação nem sempre HARMONIOSA entre as SADs e os clubes esportivos.
Por Higor Maffei Bellini
Olá a todos, espero que já estejam em clima de recesso natalino, com as castanhas assando e um bom vinho da sua região, já que o vinho tem muito da nossa região, da nossa história em sua composição, e é essencial para acompanhar esta iguaria gastronómica natalina.
E vamos aproveitar o vinho, que no meu caso é um Porto branco, eu adoro vinho branco como acompanhamento de qualquer coisa, para tratar de um assunto delicado: a eterna tensão existente entre as SADs, nomenclatura adotada em Portugal; ou as SAs, como serão chamadas no Brasil, com os clubes socias das quais se originaram, e por ser um assunto delicado o vinho ajuda na leitura. Porque, parafraseando a canção de Chico Science e Nação Zumbi, “A Praieira”:
“Tenho a hora certa pra beber
‘Um Vinho’ antes do almoço é muito bom pra ficar pensando melhor"
De modo muito, mas muito resumido, uma SAD é uma sociedade anônima criada por um clube de futebol para gerir o seu departamento de futebol profissional, que pode ser cedida em definitivo para terceiros administrar mediante o pagamento do valor ajustado entre as partes e quando findo o prazo do contrato volta para a administração do clube. Durante o período de vigência do contrato o Clube recebeu um valor pela cessão da SAD para que fosse administrada por terceiros, que ficaram com os lucros gerados pela SAD ou com o prejuízo. Ainda, pode acontecer a transferência em carácter permanente da SAD a estes terceiros, que podem depois a revender a outros interessados.
É a transformação do departamento de futebol, com as suas cores, símbolos, mascotes e história em produtos postos em comercio, e que uma vez vendidos deixam de ter qualquer relação com o clube que os originou. Salvo se o clube ficou com uma percentagem das ações desta SAD, situação que a depender da quantidade de cotas não permite ao clube qualquer poder de gestão na tomada de decisões, mas que ainda assim permite ser escutado apenas para cumprir a uma determinação do contrato social desta SAD.
Neste artigo não vou tratar da composição acionária da SAD, mas apenas de como não existe harmonia na questão, já que muitas vezes os interesses do clube são um, e os da SAD são outros e os da torcida pode ser um terceiro interesse sobre o mesmo assunto.
Alguns estudiosos que respeito, por isso não cito nominalmente, quando tratam do tema relação SAD e clube simplesmente se esquecem de que ao comprar a SAD se compra uma história, se compra lutas, conquistas, derrotas, se compra uma tradição ou, como dizem no mundo dos negócios, uma cultura corporativa. Por isso chamam ao clube social ou a torcida de “fantasmas que assombram as SADS”, se esquecendo de que a SAD nasceu unicamente deste alegado fantasma, a sua torcida que, data venia, acreditando que não teriam capacidade de gerir o seu futebol preferiram entrega-lo a um estranho para cuidar. Nada mais errado.
Se a pessoa tem dinheiro para comprar uma SAD, tem capital para montar o seu próprio clube do zero, criando o seu nome, as suas cores, o seu escudo e até construindo o seu estádio. Comparando com um automóvel, comprar um 0KM. E por que não o fazem, ao invés de comprar um usado com todos os vícios do antigo dono?
Disto tratarei, com maior propriedade, em outro artigo.
Não o fazem porque querem comprar os ativos da SAD e dentre eles o mais importante: a paixão do torcedor, já que futebol sem paixão não existe nem como negócio, e já que hoje se defende que o clube deve dar lucro e ter ações negociadas em bolsa, nem esportivamente. A COVID nos demonstrou como é triste um estádio vazio, ou com torcida virtual, e estádio vazio é o que acontece com SADs recém-criadas, que não despertam a paixão de aficionados ainda e, quiçá, nunca o farão.
Em MINHA opinião é muito mais honesto criar do zero um clube empresa do que comprar uma SAD e depois reclamar do clube social, que este quer ter poderes de gestão nos negócios da SAD.
Mas vamos focar no nosso tema central. E deixamos claro que não estamos falando da questão do Belenenses, que é um dos maiores exemplo desta falta de harmonia nessa relação SAD e clube. Mas poderia citar outros exemplos, como é o caso do Botafogo de Ribeirão Preto.
Existem ruídos na relação entre a SAD e os clubes, porque via de regra a gestão das SADs acabam por se distanciar dos ideais que levaram as pessoas a torcerem pelo clube, o espírito que ajudou na criação e na manutenção daquela agremiação até o momento em que a SAD foi criada e vendida.
Dizemos vendida por acreditar que nenhum investidor, em nenhum país do mundo, aceitaria colocar valores e correr riscos financeiros sem ter ao menos a metade mais uma das ações da SAD para garantir que possa gerir aquele negócio como desejar, sem necessitar pedir autorização do antigo dono, o clube.
Este é o ponto: os clubes se esquecem de que venderam a operação e que não tem mais qualquer poder sobre os rumos do departamento de futebol, e ainda assim ficam tentando sugerir ações para quem está no comando. Uma vez criada e vendida a SAD ela não é mais parte do clube.
Usando mais uma vez uma música - agora a versão em português (O Astronauta de Mármore: do grupo Nenhum de Nós) da música “Star Man” de David Bowie - para explicar o que é um time de futebol de uma SAD ou uma AS:
Sempre estar lá, e ver ele voltar
Não era mais o mesmo
Mas estava em seu lugar
A SAD usa até mesmo por questão de mercado, mas também por questão de previsão legal, as cores, ou alguém aceitaria uma equipa de mais de 100 anos trocar de cores? Usa o escudo, e até mesmo o hino do antigo clube, para tentar manter uma identidade com a antiga equipe que não existe mais juridicamente, mas que se rompida no imaginário do torcedor tira valor de mercado da SAD, já que sem torcida não há negócios, posto que poucas pessoas torceriam para uma empresa.
Poder acontecer ainda de o antigo estádio ser mantido como o local dos jogos pela SADs, mas isso se deve a questões contratuais, que podem envolver a manutenção de contratos de publicidade ou de arrendamentos firmados anteriormente à criação da SAD. Mas se não estiver a previsão contratual da manutenção do antigo estádio como o lar da SAD, esta pode mandar os seus jogos em outro estádio, ou até mesmo em outra cidade.
Assim existe essa falta de harmonia nessa relação entre clubes e SADs, porque quem compra a SAD não tem a vontade de deixar claro que não existe mais qualquer relação com o antigo clube. Seja por questões de rejeição do torcedor e consequente prejuízo, ou seja, para se manter apenas uma relação comercial pela qual se pagar pela utilização do nome e das cores do clube, como – por exemplo – se paga pelo direito de usar o nome de uma franquia qualquer e que a manutenção do mando de jogos no antigo estádio é apenas uma exigência contratual.
Ou seja, a falta de clareza das partes sobre a nova natureza jurídica SAD, a falta de transparência da relação para que os torcedores entendam que não se trata mais da mesma equipe, que não se manteve o clube, mas que se criou uma nova história do zero causam estes problemas. O que se tenta dar a entender com isso é que foi apenas uma mudança para uma “gestão profissional e moderna” do departamento de futebol ao invés de uma venda deste para investidores.
Não digo que deva ocorrer a criação de SADs ou de AS, com a sua venda a investidores para que estes administrem os clubes, pois isso é uma questão interna de cada clube. Nem a sua torcida tem direito a isso, já que o torcedor de arquibancada apenas torce, cabendo as decisões político/administrativas aos sócios do clube. Porém, digo que sendo adoptada esta ideia os clubes, e quem adquirir as SADs, devem ser por demais transparentes e dizer que se encerrou ali uma história gloriosa, porque que todos os clubes tem história e glórias, e definir que dali adiante se inicia outra jornada.