Por Higor Maffei Bellini
A carreira de um atleta profissional de futebol, embora envolta em prestígio e reconhecimento, está também exposta a riscos físicos e psicológicos significativos.
As lesões graves, muitas vezes limitantes ou até incapacitantes, são parte da realidade de quem vive do desporto e dificultam a vida profissional do atleta. Diante disso, a legislação brasileira oferece uma ferramenta jurídica essencial para a proteção da renda desses trabalhadores: a ação acidentária.
A ação acidentária é um mecanismo judicial que visa garantir ao atleta lesionado o acesso aos benefícios previdenciários decorrentes de um acidente de trabalho. Diferentemente da ação trabalhista, que é movida contra o clube empregador, ela é movida exclusivamente contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e tramita na Justiça Comum Estadual.
Seu objetivo principal é reconhecer o nexo entre a lesão sofrida, que traz sequelas e limitações ao atleta, e a atividade profissional exercida, garantindo o pagamento de benefícios como o auxílio-acidente ou aposentadoria por invalidez, conforme o caso.
O futebol, por sua natureza, é considerado uma profissão de risco, tanto que ganha cada vez mais a teoria da responsabilidade objetiva dos clubes pelas consequências das lesões.
Assim, lesões sofridas durante jogos, treinos ou mesmo nos deslocamentos relacionados à atividade (como o trajeto entre a casa e o clube, ou do clube até o local da partida, quando feito em transporte fornecido pela entidade) são enquadradas como acidentes de trabalho.
A responsabilidade do clube, nesses casos de acidente do trabalho, seja o típico ocorrido em treino ou em jogo ou o equiparado, que é o do trajeto casa-trabalho e volta, é objetiva. Ou seja, independe de culpa e envolve o cumprimento de obrigações específicas, como a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT).
A emissão da CAT é um passo essencial. É a partir desse documento que o INSS é formalmente informado do acidente, permitindo o afastamento do atleta para tratamento e posterior perícia médica.
Essa perícia é decisiva para a concessão do benefício acidentário. Quando o clube omite-se e não emite a CAT, acaba por violar os direitos previdenciários do atleta e comprometer o seu acesso à proteção legal.
Ainda mais grave é a conduta do clube que mantém o atleta em atividade sem o devido registro formal de emprego. A ausência de vínculo empregatício formal impede o acesso ao sistema de seguridade social, inviabilizando o recebimento de benefícios como o auxílio-acidente ou a aposentadoria por invalidez.
Nesses casos, o clube pode ser responsabilizado judicialmente pelos danos materiais e morais causados, especialmente quando a falta de registro acarreta a perda do direito a benefícios previdenciários.
A omissão no dever de registrar adequadamente o atleta configura violação de normas trabalhistas e previdenciárias, com sérias repercussões jurídicas.
Para que a ação acidentária tenha êxito, é fundamental comprovar o nexo causal entre a lesão e a atividade esportiva.
Esse vínculo é estabelecido, em regra, por meio de perícia médica judicial, que analisa o histórico do acidente, a função exercida pelo atleta, as condições do trabalho e a natureza da lesão. Documentos médicos, boletins de ocorrência, testemunhos, matérias jornalísticas e registros audiovisuais das partidas podem fortalecer essa prova.
Importante ressaltar que o fato de a lesão não ter ocorrido exatamente dentro das quatro linhas não exclui a possibilidade de caracterização como acidente de trabalho.
Situações de deslocamento, desde que relacionadas à atividade profissional e realizadas sob responsabilidade do clube, também se enquadram como eventos acidentários.
O entendimento dos tribunais brasileiros é firme nesse sentido, justamente porque reconhece a realidade prática do futebol masculino como sendo profissional. Mas deveriam ter o mesmo entendimento para o feminino, reconhecendo que não há distinção entre homens e mulheres.
O atleta, como segurado obrigatório da Previdência Social, deve ter garantido pelo empregador o acesso aos mecanismos formais que assegurem sua cobertura em caso de acidente.
O papel do clube vai além da função desportiva: é também um agente responsável pela efetivação dos direitos sociais do jogador. Em momentos de vulnerabilidade, como o afastamento por lesão, é quando o suporte legal se mostra mais necessário e, infelizmente, muitas vezes mais negligenciado.
Ao mover uma ação acidentária contra o INSS, o atleta busca assegurar um direito legítimo, muitas vezes ignorado por falta de orientação jurídica adequada.
A responsabilidade do clube ocorre na fase anterior, que inclui a emissão da CAT e a contratação do seguro obrigatório; este seguro será pago por uma seguradora privada ou, se não contratado ou acionado, o clube, que foi omisso em agir conforme sua responsabilidade, indenizará o valor segurado.
Já a responsabilização do INSS, pela via judicial, por sua vez, ocorre quando há negativa de benefício, mesmo diante de provas robustas do acidente e da incapacidade decorrente.
A proteção ao atleta lesionado, portanto, vai além de uma indenização trabalhista. Chegando no recebimento do pagamento do benefício acidentário pelo INSS.
Mas o que é esse benefício acidentário?
O chamado benefício acidentário, no contexto previdenciário, é um auxílio financeiro pago pelo INSS ao segurado que sofre acidente de trabalho e apresenta redução parcial e permanente da sua capacidade para o exercício da atividade profissional.
No caso dos atletas, trata-se de uma compensação pelos impactos da lesão, mesmo que eles retornem ao esporte, mas com limitações que prejudiquem o desempenho ou aumentem o risco de novas lesões.
Esse benefício é chamado auxílio-acidente e não substitui o salário.
Ele é pago, importante deixar claro, de forma cumulativa com a remuneração, como uma espécie de complemento.
O valor corresponde a 50% do salário de benefício, calculado com base na média dos salários de contribuição anteriores ao acidente, conforme regras da Previdência Social.
O pagamento ocorre mensalmente e perdura até a aposentadoria do segurado.
O auxílio-acidente é devido a partir do dia seguinte ao encerramento do benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), desde que comprovada a redução da capacidade laboral.
Essa comprovação é feita por perícia médica do INSS, que avalia se há sequelas permanentes que afetam o desempenho profissional do atleta.
Trata-se, portanto, da garantia de um direito social, previsto em lei, que visa preservar a dignidade e a subsistência de quem, muitas vezes, construiu toda uma vida em torno do desporto.
Texto meramente informativo. Em caso de dúvidas, procure o seu advogado de confiança.