A nova Lei Geral de Esportes no Brasil e a criação da distinção entre empregados do mesmo clube.
Por Higor Maffei Bellini
No Brasil, nesta semana, foi aprovada a nova lei geral de esportes pelo congresso nacional. Que na minha visão é um dos maiores retrocesso, para os empregados que desempenham as funções de atletas, dos últimos anos. Fruto de uma lei, que pensou apenas no clube, no detentor do capital, na parte mais forte da relação empregatícia, ao mesmo quando se pensa na grande maioria dos contratos de trabalho de atletas, sem a exceção dos jogadores de futebol masculino, dos grandes clubes, que conseguem em razão dos valores das multas pela rescisão antecipada do contrato de trabalho, que podem ser pagas pelos novos empregadores negociar melhor com os clubes.
E é um grande retrocesso porque não preserva direitos aos atletas lesionados, que são garantidos aos demais empregados do mesmo clube, o fato do trabalhar desempenhar as suas funções, como atleta e não como roupeiro do clube, passou a ser o fator determinante para que aquele que tem na lesão física, seja nos treinamentos ou jogos, não tenha a proteção legal, para quando esta acontecer.
Até mesmo as ocorrências mais corriqueiras no mundo dos esportes, como as distensões musculares, devem ser encaradas como sendo acidentes do trabalho dos atletas. Segundo a professora, jurista e magistrada Alice Monteiro de Barros - na sua obra referência para quem deseja estudar as consequências, segundo as normas trabalhistas, de um contrato entre atletas e clubes: "As Relações de Trabalho no Espetáculo", da Editora LTr, lançado em setembro de 2003, no item 15 do capítulo IV, página 199 - deixa claro que até mesmo a distensão muscular é uma doença profissional, como se observa abaixo:
"15 - DOENÇA PROFISSIONAL. DISTENSÃO MUSCULAR"
"A distensão muscular é tida como acidente do trabalho, enquadrando-se como doença profissional
Ao que completa o mestre Sergio Pinto Martins - em sua obra “Direitos Trabalhistas do Atleta Profissional de Futebol”, 2º Edição, editora saraiva 2016 p. 161 - enquadrando como acidente de trabalho, indo além das distensões, para demonstrar, ainda, que os acidentes de trabalho para os atletas profissionais são também:
“lesões, problemas no joelho articulações etc.”
Assim, o atleta - pode ser de futebol ou de qualquer outra modalidade esportiva - que sofra uma lesão ainda que leve: uma entorse no tornozelo, que tenha ficado com as marcas da chuteira do adversário na perna, porque a caneleira não o protegeu, situações que não levam ao afastamento do mesmo das atividades esportivas, podendo mesmo continuar a treinar e a jogar, apenas fazendo tratamento com gelo, anti-inflamatório ou colocando um pequeno curativo, teve um acidente do trabalho segundo os conceitos legais.
O fato do atleta continuar a treinar ou jogar, no jargão futebolístico “jogar no sacrifício” - mesmo estando lesionado não se afastando das atividades cotidianas - vem do fato de que “o corpo do atleta é o seu meio ou instrumento de trabalho”, segundo as palavras do mestre Sergio Pinto Martins em sua obra já citada, agora em sua p. 16. Isto também traz sentido às palavras de Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga em “Manual de Direito do Trabalho Desportivo”, 2ª Edição LTR 2017, pg 297, segundo ele, o atleta profissional:
“inclui-se dentre as profissões de desgaste rápido, agravado pela competitividade que gera, muitas vezes desvalorização resultante de incapacidades por contusões, lesões e acidentes de trabalho de atletas profissionais.”
Art. 96. Aplicam-se aos atletas profissionais da modalidade futebol as disposições desta Lei e, especificamente, o que segue:
...
§ 3º Considera-se período noturno, para os efeitos do inciso VII do caput deste artigo, a participação em jogos e competições realizados entre as 23h59 (vinte e três horas e cinquenta e nove minutos) de um dia e as 6h59 (seis horas e cinquenta e nove minutos) do dia seguinte
Vejamos o que a CLT garante ao roupeiro, do mesmo clube:
Art. 73. Salvo nos casos de revezamento semanal ou quinzenal, o trabalho noturno terá remuneração superior a do diurno e, para esse efeito, sua remuneração terá um acréscimo de 20 % (vinte por cento), pelo menos, sobre a hora diurna.
...
§ 2º Considera-se noturno, para os efeitos deste artigo, o trabalho executado entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte
Ou seja, a nova lei geral do desporto, faz com o atleta, que trabalha para o mesmo empregador, que o roupeiro somente tenha direito a receber o adicional noturno, após trabalhar duas horas a mais, que roupeiro. Em uma clara manobra para fazer com que o atleta, não recebe o adicional noturno para os jogos que se iniciam às 22h, para atender os interesses da televisão. Fazendo na prática, com que a noite do atleta seja diferente, daquela do roupeiro
Infelizmente esta nova lei criada, para disciplinar o desporto brasileiro, tratou os atletas como empregados, de um outra categoria, uma categoria inferior aos demais empregados, do mesmo empregador, que trabalham dentro do departamento de futebol, mas, em outras funções.
Porém, a ilegalidade fica ainda maior, quando se compara a questão do adicional noturno para o atleta do futebol, em relação ao atleta, de qualquer outra modalidade esportiva, já que para os demais continua a valer a hora noturna a partir das 22h. Gerando assim uma diferenciação entre o atleta de vôlei ou basquete, que trabalha para um clube e o atleta de futebol que trabalha para a mesma, instituição.
Inadmissível tal distinção, em razão da ocupação, o que deverá ser atacado via ação direita de inconstitucionalidade, a ser apresentada junto ao STF, pelos legalmente capacitados para isso.