Por Higor Maffei Bellini.
Esse texto tem por base a condenação do nosso cliente em um processo no TJD do Futebol. E o que vamos fazer a partir dela.
O QUE É A JUSTIÇA DESPORTIVA E O CBJD?
Se a justiça desportiva fosse membro efetivo do poder judiciário o que não é, sendo apenas mais um órgão administrativo das federações e confederações desportivas, apesar de estar expressa na Constituição Federal que assim estabelece:
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;
II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional;
IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.
§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.
§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final
Devendo ser este trecho que faz com que, grande parte das pessoas, acredito que a justiça é efetivamente integrante do poder judiciário nacional, infelizmente até mesmo algumas da pessoas com ele envolvidas, provavelmente aquelas, que não se deram ao trabalho de estudar, antes de começar a trabalhar neste ramo do direito.
Contudo o STJ em mais de uma oportunidade já decidiu que não esta justiça, não é integrante do poder judiciário como se observa pelas decisões abaixo citadas
CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA - NATUREZA JURÍDICA - INOCORRÊNCIA DE CONFLITO.
1. Tribunal de Justiça Desportiva não se constitui em autoridade administrativa e muito menos judiciária, não se enquadrando a hipótese em estudo no art. 105, I, g, da CF/88.
2. Conflito não conhecido.
(CAt n. 53/SP, relator Ministro Waldemar Zveiter, Segunda Seção, julgado em 27/5/1998, DJ de 3/8/1998, p. 66.)
E nesta decisão, agora abaixo citada, fica muito clara que a justiça desportiva apenas deve cuidar de infrações disciplinares, vejamos
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AGRESSÕES. FÍSICAS E VERBAL. MORAL. ÁRBITRO. PARTIDA DE FUTEBOL. RESPONSABILIDADE CIVIL. JOGADOR. ATO ILÍCITO. CONFIGURAÇÃO. CONDUTA. DESPROPORCIONALIDADE. DANO À HONRA E IMAGEM. CONFIGURAÇÃO. REPARAÇÃO DEVIDA. JUSTIÇA COMUM. CONDENAÇÃO. JUSTIÇA DESPORTIVA. IRRELEVÂNCIA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. A controvérsia a ser dirimida no recurso especial reside em verificar se as agressões físicas e verbais perpetradas por jogador profissional contra árbitro de futebol, na ocasião de disputa da partida final de importante campeonato estadual de futebol, constituem ato ilícito indenizável na Justiça Comum, independentemente de eventual punição aplicada na esfera da Justiça Desportiva.
3. Nos termos da Constituição Federal e da Lei nº 9.615/1998 (denominada "Lei Pelé"), a competência da Justiça Desportiva limita-se a transgressões de natureza eminentemente esportivas, relativas à disciplina e às competições desportivas.
4.O alegado ilícito que o autor da demanda atribui ao réu, por não se fundar em transgressão de cunho estritamente esportivo, pode ser submetido ao crivo do Poder Judiciário Estatal, para que seja julgado à luz da legislação que norteia as relações de natureza privada, no caso, o Código Civil.
5. A conduta do jogador, mormente a sorrateira agressão física pelas costas, revelou-se despropositada e desproporcional, transbordando em muito o mínimo socialmente aceitável em partidas de futebol, apta a ofender a honra e a imagem do árbitro, que estava zelando pela correta aplicação das regras esportivas. 6. O evento no qual as agressões foram perpetradas, final do Campeonato Paulista de Futebol, envolvendo dois dos maiores clubes do Brasil, foi televisionado para todo o país, o que evidencia sua enorme audiência e, em consequência, o número de pessoas que assistiram o episódio.
7. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp n. 1.762.786/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 23/10/2018, DJe de 26/10/2018.)
E nesta decisão, o ponto que desejamos destacar é o seguinte: "Nos termos da Constituição Federal e da Lei nº 9.615/1998 (denominada "Lei Pelé"), a competência da Justiça Desportiva limita-se a transgressões de natureza eminentemente esportivas, relativas à disciplina e às competições desportivas." e o destacamos porque algo que vem a julga a questão de disciplina e competições esportivas não pode ter o poder de impedir uma pessoa de trabalhar pelo restante de sua existência terrena, já que nem a justiça ao cuidar de crimes o pode fazer.
A justiça desportiva tem como base e fundamento no CBJD - Codigo Brasileiro de Justiça Desportiva - de onde vem as normas, com a tipificação e o apenamento, as, que não foi promulgado pelo congresso nacional, nem sancionado pelo presidente da republica, mas sendo única e tão somente um ato do Conselho Nacional do Esporte, mais precisamente, quando da publicação da Resolução CNE nº 01, de 23 de Dezembro de 2003, pelo Conselho Nacional do Esporte.
Estes dois fatos, ainda que analisados de forma isolada, demonstram que a justiça desportiva, não é em nenhum aspecto, integrante do poder judiciário. E por esta razão os seus atos podem e devem ser revisados pelo pode judiciário, este sim, revestido do apoio e embasamento estatal, aquele que o permite, além de revisar as decisões da justiça desportiva, as anular quando estas não respeitam os ditames constitucionais, já que nada pode ser contrário à constituição federal.
Mas, como assim Higor?
Simples se uma lei ou ato do poder publico pode ser declarada inconstitucional seja pela analise difusa ou concentrada da constitucionalidade, também pode ser declarada inconstitucional e por consequência direta, caçada uma decisão da justiça desportiva que esteja em desacordo com a Constituição Federal, já que nada que é inconstitucional pode prevalecer.
DO DIREITO AO TRABALHO
Tomando como base a lição de Max Weber de que o "trabalho dignifica o homem" com variações a depender da tradução, fica claro que o trabalho faz parte da natureza humana, sem o qual esta não pode ser completada, já que o homem com respeito a todas as correntes religiosas, foi criado para, também trabalhar. Assim quando se tira do homem o seu direito de trabalhar se tira também parte da sua dignidade.
O que não pode acontecer no Brasil, já que a dignidade da pessoa humana é uma das bases da Constituição Federal, como se observa abaixo, pela leitura do artigo 1ª da Carta Magna:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
Desta maneira o CBJD desde o seu inicio, quando prevê banimento, que equivale a privar a pessoa humana, do seu direito a trabalhar para com o fruto deste, pagar as suas despesas, sustentar a sua família em fim viver na sociedade moderna, é inconstitucional de forma obliqua ao retirar o elemento (trabalho) que ajuda a dignificar a pessoa humana.
Até mesmo porque ao privar uma pessoa do acesso ao mercado de trabalho já que nem os clubes, mesmo que assim o desejarem, podem fazer a contratação já que estes ficam impedidos de levaram para os seus quadros a pessoa que sofreu a pena de banimento, é muito pior do que simplesmente dizer a uma pessoa não trabalhe, pois diz aos possíveis empregadores não o contrate.
Mesmo a pena de banimento sendo restrita a modalidade a qual está vinculada aquele TJD, que aplicou a pena, infelizmente, esta acaba extrapolando para os demais esportes e demais mercados de trabalho, já que os clubes não desejam contratar um pessoa que esteja com esta condenação. estrangulando as possibilidade da pessoa se recolar no mercado de trabalho esportivo.
O que não pode ser aceito.
Até porque este estrangulamento profissional, vindo pela impossibilidade de encontrar uma colocação no trabalho espotivo, acaba por impactar na vida da família da pessoa como um todo, em especial, quando esta é a única provedora de receitas para aquela unidade familiar, fazendo com que o apenamento venha a extrapolar a pessoa do condenado.
DA IMPOSSIBILIDADE DE PENAS PERPÉTUAS.
Neste momento vale a pena iniciar a nossa observação, fazendo a leitura do texto constitucional, mais especificamente no seu artigo 5ª, vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento
Observem que é expresso no texto constitucional a proibição de penas de carácter perpetuo, ou seja, quando o CBJD fala em banimento (que é nunca mais poder trabalhar naquele esporte) está em contrariedade com o ordenamento constitucional vigente, razão pela qual pode e deve ser rediscutido na esfera do pode judiciário civil, já que esta tem a capacidade de reavaliar as decisões da justiça desportiva.
O fato de não haver sido apresentada no Supremo Tribunal Federal - STF - a questão para o controle concentrado da constitucionalidade destas penas constantes no CBJD, não retira a possibilidade daquele que teve a pena imposta contra a sua pessoa a discutir com base na possibilidade do controle difuso, quando a constitucionalidade é analisada em relação a uma situação especifica com uma pessoa em especial.
Podendo e devendo ser solicitada a antecipação dos efeitos da tutela, para que a entidade de organização esportiva, não possa impedir a nenhum de seus filiados de firmar o contrato de trabalho com a pessoa que a acionou na justiça, visando anular esta penalidade imposta.
MAS E A REABILITAÇÃO?
Por esta razão é que a pena de banimento do esporte aplicada pelo STJD do futebol, como base no CBJD é ilegal e inconstitucional, posto que colocar em carácter perpetuou a proibição de uma pessoa exercer a sua profissional. E não se diga que esta pode depois pedir a reabilitação, para voltar a ter a sua profissão, para retirar a inconstitucionalidade já que se nada for feito a pena é permanente, ou se não for possível de serem cumpridas as exigência para esta reabilitação.
Vejamos o que se precisa fazer para pedir a reabilitação:
Da Reabilitação
Art. 99. A pessoa natural que houver sofrido eliminação poderá pedir reabilitação ao órgão
judicante que lhe impôs a pena definitiva, se decorridos mais de dois anos do trânsito em julgado
da decisão, instruindo o pedido com a documentação que julgar conveniente e, obrigatoriamente,
com a prova do pagamento dos emolumentos, com a prova do exercício de profissão ou de
atividade escolar e com a declaração de, no mínimo, três pessoas vinculadas ao desporto, de
notória idoneidade, que atestem plenamente as condições de reabilitação. (Redação dada pela
Resolução CNE nº 29 de 2009).
Parágrafo único. No caso de infrações por dopagem, observar-se-á o disposto no art. 244-
A. (AC).
Art. 100. Recebido o pedido, será dada vista à Procuradoria, pelo prazo de três dias, para
emitir parecer, sendo o processo encaminhado ao Presidente do órgão judicante, que, sorteando
relator, incluirá em pauta de julgamento. (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
As vezes e por vezes a parte não tem condições de arcar com a condenação pecuniária a ela impostas, o que já retira um dos elementos essenciais colocados como requisito para o pedido, ou seja, se a pessoa não pode pagar a pena de multa o que em muitos acontece, quando é proibida de trabalhar, não pode se apresentar para ser reabilitada, ficando na prática banida da possibilidade de trabalhar.
Desta forma quando a justiça desportiva, aplica em conjunto, uma pena pecuniária, que sabe que o Réu não poderá cumprir, porque este já declarou que o valor a ele é fora da sua realidade, está sim aplicando a pena perpetua, já que sabia de ante mão, que um dos elementos para a reabilitação jamais será alcançado, ainda, mais quando existe o apenamento de proibição de trabalhar no desporto. Há de ser lembrado que aqueles que estão trabalhando no esporte, via de regra, não tem uma ocupação fora deste esporte, ou seja, não tem fonte de renda fora do meio desportivo o que impossibilita este pagamento da multa.
Por esta razão se faz necessário ter em mente, que ainda que jurídica a possibilidade da reabilitação, por vezes a pena já aplicada de uma maneira, em que se sabe que a pessoa, não conseguirá reunir os requisitos necessários, para apresentar e conseguir o deferimento do pedido de reabilitação.
CONCLUINDO
Toda e qualquer pessoa, independentemente do cargo que ocupe, como empregado, já que os dirigentes estatutários, não tem a sua fonte de renda proveniente do esporte, se condenada a pena de banimento pode e deve, após o julgamento pelas instâncias esportivas poderá se socorrer do poder judiciário, para anular a condenação imposta.
Em razão desta possibilidade da decisão desportiva, ser revisada pelo poder judiciário, é que as pessoas que fazem os julgamentos deveriam desde logo deixar de aplicar esta pena, até porque ela é a máxima, a declarando inaplicável, por ser inconstitucional e não apenas pegando a pena maxima e a aplicando, para pegar um caso como exemplo para as demais pessoas envolvidas naquele esporte.
Mas uma vez aplicada, a pena de banimento, o cidadão que nela está condenado poderá buscar a sua anulação junto do poder judiciário, para que possa voltar a trabalhar imediatamente.