Por Higor Maffei Bellini
Não tenho a pretensão de esgotar o tema, até porque a matéria ainda será discutida, por longos anos na justiça do trabalho e quem sabe junto ao Supremo Tribunal Federal. Mas, tenho a intenção de fazer a análise da questão segundo a ótica da legislação trabalhista, que vigora no Brasil desde 01 de maio de 1943, quando entrou em vigor a CLT. Uma vez que, parece que as pessoas que lidam com o tema têm esquecido que existe este normativo legal, que não foi revogado, em de forma expressa muito menos de forma tácita, pela lei que criou a SAF.
Todos os textos que li alegando que a condenação solidaria de uma SAF no pagamento de créditos trabalhistas são bons, mas, efetuados por advogados que me aprece não terem a intimidade necessária com seara trabalhistas, uma vez que, desconsideram o conceito de grupo econômico, sempre presente na seara trabalhista, em especial no momento da execução da sentença ou do acordo não cumprido, para responsabilizar as outras empresas do grupo econômico, pelas dívidas de uma delas.
Eu que trabalho basicamente na esfera trabalhista tenho esta facilidade neste entendimento. Mas, se fosse escrever sobre a matéria do ponto de vista tributário teria dificuldades, ou deixaria de lado questões importantes que a prática cotidiana traz. Por isso que este texto é focado apenas na questão trabalhista, não se propondo a transbordar a questão para outras vertentes do direito, não por falta de capacidade técnica do Higor, mas, por falta de familiaridade, com as questões cotidianas dos demais ramos.
Assim é estabelecido o que é o grupo econômico trabalhista, segundo o artigo 2º da CLT e seus parágrafos:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
...
-
2oSempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.
-
3oNão caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.
E é aqui que nasce o dever da SAF responder integralmente pelas dividas do clubes de futebol que a criaram, uma vez que, além da SAF ter entre os seus sócios o clube fundador, já que a lei que criou a SAF não determina que sejam vendidas todas as cotas desta, permitindo ao clube criador manter uma porcentagem desta, temos na SAF a presença do clube devedor originário como socio e ainda " a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes. " Uma vez que o clube original ainda manterá os seus interesses no futebol, seja, na categoria de base, seja no futebol feminino seja inda contabilizando como seu os títulos, que por direito são apenas da SAF que tem uma nova personalidade, um novo CNPJ, podendo contabilizar para si estes títulos.
Mas a questão a quem ser atribuído os títulos da SAF é uma outra questão, que trataremos no futuro, por hora só dizemos que se a SAF não traz consigo o direito a história do clube fundador, devendo, contudo, respeitar as suas tradições, cores e escudo. Não dá ao direito ao clube de contar como suas aquelas novas conquistas, a história a ser escrita no futuro é da SAF e só dela.
Retomando a questão trabalhista eu quando levei a questão a justiça do trabalho, seja tratando das questões da SAF do Cruzeiro ou do Botafogo que anda não foram julgadas. Ou apenas de clubes que constituíram uma nova empresa para cuidar do departamento de futebol caso do São Caetano, que já teve sentença a meu favor sempre usei a CLT.
Vejamos a parte da sentença que condenou solidariamente a AD São Caetano e a São Caetano LTDA:
Alega o reclamante, em sua exordial, que ambas as rés constituem, na prática, uma única empresa, onde os empregados da segunda reclamada (SÃO CAETANO FUTEBOL LTDA) trabalham para que os da primeira ré (ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA SÃO CAETANO) possam disputar os campeonatos nos quais esteja inscrita. Afirma que, embora a primeira ré (ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA SÃO CAETANO) tenha sido efetivamente quem o contratou e se utilizou de seus serviços no período de contrato (2014 a 2020), a segunda reclamada é quem assinava a CTPS, tendo a primeira ré como um de seus sócios, em grupo econômico. Argumenta que a primeira ré (ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA SÃO CAETANO) é a detentora da “marca” do clube, ao passo que a segunda (SÃO CAETANO FUTEBOL
LTDA) é a responsável pela administração do Departamento de Futebol da primeira, bem como de seus recursos. Afirma também que o presidente da primeira ré (ASSOCIAÇÃO) é um dos sócios da segunda (SÃO CAETANO FUTEBOL), em identidade de sócios e coordenação de esforços entre ambas. Pleiteia, destarte, a declaração da existência de responsabilidade solidária entre as reclamadas, com fulcro no art. 2º, §2º da CLT.
As reclamadas refutam o pleito, alegando tratarem-se de pessoas jurídicas distintas, de naturezas diversas, onde a primeira ré (ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA SÃO CAETANO) é associação sem fins lucrativos e a segunda (SÃO CAETANO FUTEBOL) é sociedade empresarial limitada. Aduzem também que a primeira ré (ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA SÃO CAETANO) não possui equipes de futebol que participem de competições organizadas pela Federação Paulista de Futebol ou pela Confederação Brasileira de Futebol, o que se dá exclusivamente com a segunda reclamada. Argumentam, ainda, que o reclamante jamais recebeu ordens ou esteve sob dependência funcional, técnica ou econômica de qualquer empregado da primeira ré (ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA SÃO CAETANO), ou recebeu dela qualquer salário.
Os próprios espelhos de ponto juntados pelas reclamadas à defesa conjunta comprovam, a meu ver, o flagrante interesse integrado e a visível atuação conjunta entre elas. Se, conforme pugnado por elas, a primeira reclamada (ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA SÃO CAETANO) nunca tivesse sido, de fato, empregadora do reclamante em grupo econômico com a segunda ré (SÃO CAETANO FUTEBOL), constituindo-se pessoa jurídica distinta, não haveria razão para existir controles de jornada inequivocamente timbrados sob a rubrica “A.D. SÃO CAETANO”, mas sim tão somente “SÃO CAETANO FUTEBOL”.
Assim, entendo que o grupo econômico entre as reclamadas restou suficientemente configurado, nos termos do art. 2º, §3º, da CLT, com a redação que lhe foi dada pela Lei 13.467/2017.
Julgo, assim, procedente o pedido para reconhecer a existência de grupo econômico entre as reclamadas ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA SÃO CAETANO e SÃO CAETANO FUTEBOL LTDA, com a consequente responsabilidade solidária de ambas pelos créditos advindos do
contrato de trabalho do reclamante, nos termos do §2º do mesmo dispositivo consolidado.
Isto aconteceu no processo de número: 1ª VARA DO TRABALHO DE SÃO CAETANO DO SUL ATOrd 1000353-88.2020.5.02.0471 RECLAMANTE: ANDRE LUIZ FRANCO RECLAMADO: ASSOCIACAO DESPORTIVA SAO CAETANO E OUTROS (2)
Ou seja, a justiça do trabalho reconhece não é de hoje que, uma vez que, exista o clube original como socio de uma outra empresa seja uma "simples" LTDA ou uma SAF pode haver a formação de um grupo econômico trabalhista a justificar a condenação solidaria destes ou ainda que na execução, como em toda execução trabalhista, existe a possibilidade da execução se voltar contra os outros integrantes do grupo, vejamos um exemplo de inclusão de empresa do gruo no momento da execução:
Polo passivo da lide. Inclusão de empresas pertencentes ao grupo econômico na fase de execução. A inclusão de outras pessoas na fase de execução é lícita, desde que haja fundamento para tanto, não havendo que se cogitar de violação ao direito de defesa, consagrado nos incisos XXXVI e LV, do artigo 5º, da Constituição Federal. O C. TST, com o cancelamento da Súmula 205, tem entendido de forma amplamente majoritária que, diante do reconhecimento de grupo econômico, podem as empresas integrantes do conglomerado serem incluídas no polo passivo da execução, mesmo sem terem participado da fase de conhecimento. (TRT da 2ª Região; Processo: 0002647-88.2012.5.02.0026; Data: 20-09-2021; Órgão Julgador: 12ª Turma - Cadeira 3 - 12ª Turma; Relator(a): SONIA MARIA DE OLIVEIRA PRINCE RODRIGUES FRANZINI)
Execução. Responsabilidade solidária. Empresa incluída na fase de execução. A circunstância de a empresa integrante do grupo econômico não ter participado da relação processual na fase de conhecimento não obsta sua inclusão como sujeito passivo na execução. Inteligência do art. 2º, § 2º da CLT. (TRT da 2ª Região; Processo: 0183700-47.2005.5.02.0058; Data: 05-08-2021; Órgão Julgador: 6ª Turma - Cadeira 2 - 6ª Turma; Relator(a): WILSON FERNANDES)
Sendo assim vamos parar de dizer que a inclusão e a condenação da SAF trazem insegurança jurídica para as relações existentes. Já que a inclusão de empresa de grupo econômico no processo é permita já a 79 anos no Brasil. O que traz insegurança jurídica é a cada crise de um clube de futebol se buscar soluções para que este não precise pagar a dívida de forma integral e a vista, sob as mais diversas infundadas justificativas. Ou o clube vai ser uma instituição privada, que corre todos os riscos da iniciativa privada como o de falir e ser extinto ou vai ser uma entidade publica, não de utilidade pública, já que quase nenhum dá contrapartidas as comunidades que o cercam, que não pode ser fechada.
Neste texto não vamos tratar de em havendo a condenação da SAF a execução ser direta na SAF, não se podendo alegar o regime de execução centralizada, do clube original, o que talvez seja o maior benefício de uma SAF para os credores trabalhistas, já que havendo solidariedade não se há de escolher de esperar esgotar as forças de um devedor para cobrar do outro, na solidariedade a cobrança pode ser imediata contra ambos. exemplo do que acabamos de falar mudando o que deve ser mudado:
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO. Ao revés do que pretende fazer crer a agravante, inexiste ordem de preferência entre devedor subsidiário e empresas que compõem o mesmo grupo econômico. A uma, por falta de amparo legal. A duas, porque a execução se processa em favor do credor, nesta Especializada, titular de crédito de natureza alimentar e não em favor do devedor subsidiário. Ainda que assim não fosse, se houvesse de se estabelecer ordem de preferência, esta certamente não beneficiaria a responsável subsidiária, sob pena de afronta aos princípios processuais da celeridade e efetividade (artigo 765 da CLT). Com efeito, a inclusão de outras empresas na fase de execução depende do reconhecimento do grupo econômico, ao passo que a responsabilidade subsidiária da devedora secundária já consta do próprio título executivo. Agravo de petição a que se nega provimento.(TRT da 2ª Região; Processo: 1000587-39.2016.5.02.0462; Data: 15-10-2019; Órgão Julgador: 6ª Turma - Cadeira 3 - 6ª Turma; Relator(a): VALDIR FLORINDO)
Quando se faz a análise da questão sob a ótica trabalhista desportiva se tem uma clareza solar da existência do grupo econômico, ja que ambas as instituições têm por finalidade o mesmo objetivo manter equipes de futebol, sendo uma acionista na outra. Que pode ter sido constituída ainda com bens da primeira e não falamos apenas de possíveis direitos relativos as multas de rescisões antecipadas de contrato de trabalho dos atletas, mas, a instalações físicas, imóveis ou até mesmo pela sucessão de contratos de patrocínio, o que muito se assemelha a uma fraude contra credores, já que o clube original mesmo devedor abre mão de seus bens em favor de um terceiro em prejuízo da massa de credores.
E em sendo um grupo econômico as dividas podem e devem ser cobradas deste grupo, que neste nosso exemplo paramos apenas na análise da SAF, que em está tendo mais sócios que uma única pessoa física ou uma única empresa, pode se desdobrar mais para mais integrantes do grupo o que é o comum de acontecer na justiça do trabalho, quando o grupo acaba sendo formado por sócios, da empresa socia colocada no polo passivo, via desconstituição da personalidade jurídica, lembrando-se que não é fácil quebrar a personalidade jurídica de um clube, para atingir os seus sócios, mas, o é quando se trata de uma empresa na justiça do trabalho.
Assim as dívidas trabalhistas do clube originário podem ser cobradas da SAF não importando ela ter sido colocada no polo passivo desde ou início ou integrada apenas na execução da sentença, já que essa é uma empresa integrante do grupo econômico criado pelo clube original quando estes mantem em seu podem ações da SAF.